Debaixo da cama havia alguns papeis coloridos manchados pelo tempo, guardados sobre a pressão do colchão e envelhecidos pela umidade.
Tinha me esquecido que os tivera a muito guardado-os ali para a eventual necessidade de um dia embrulhar algo rápido para alguma festinha surpresa. Curioso como herdamos antigos hábitos, esse fora passado de pais para filhos durante gerações na minha família, no entanto, sei que não é segredo de família.
“Mas e agora, o que posso fazer com eles?” não havia alternativa, “tenho que colocá-los na lixeira também!”.
Fizeram companhia a outros objetos no fundo de um saco preto. E no fundo me sentia como um melindroso assassino matando cada pedaço daqueles ali dentro, esquartejando sentimentos. Até cogitei esperar o anoitecer para desová-los em outra lixeira que não fosse a minha. Caso alguém encontrasse algo, não queria ser ligado a aquelas coisas velhas e inúteis.
Um boné com a aba quebrada, revistas antigas de dieta, livros da programação da TV do ano passado, alguns botões, fotos de ex namorados, flores secas, um beijo ressequido, amigos ausentes, lembranças ruins, dias tristes, saudades…
Juntei tudo e amarrei a boca do saco e joguei fora. Havia aquela sensação de vazio. “Quanto espaço essas coisas ocupava, não é mesmo?” e logo, o sentimento de alivio e vida arejada preencheu o ar viciado de perfume e silencio. Agora eu poderia acomodar bem o futuro onde quisesse. Pude ver o rosto tímido de alguém se aproximar, maravilhado com minha vida nova. Sorria-me feliz e eu sabia que amaria aquele sorriso no futuro.
Mostrei-lhe onde colocaria meus projetos, próximo a uma janela de frente para o céu. Logo a esquerda deixaria um espaço vago para a surpresa, e o restante poderia ficar onde estava – talvez mude aquela quina que tanto machuca meu mindinho de lugar. No mais, era só a perfeição!
– Você esta feliz? – a pessoa indagou-me.
– Bem, admito que foi difícil livrar-me de tanta coisa de uma só vez. – Um suspiro atravessou-me e olhei em volta – Tudo aquilo era o meu mundo, sabe, eu vivi cada momento daqueles!
– E agora? – Confrontou-me novamente a pessoa de lindo sorriso.
– Agora que os matei, posso seguir em frente!